07 agosto, 2005
E agora, José?
A festa acabou? Já não há mais PT? Não, José, de tudo isso fica uma grande lição: não é a direita que inviabiliza a esquerda. Esta tem sido vÃtima de sua própria incoerência, inclusive quando se elege por um programa de mudanças e adota uma polÃtica econômica de ajuste fiscal que trava o desenvolvimento, restringindo investimentos públicos e privados.
A esquerda deu um tiro no pé na União Soviética, esfacelada sem que a Casa Branca lhe atirasse um único mÃssil. Faliu por conta da nomenklatura, das mordomias abusivas das autoridades, da arrogância do partido único, da corrupção.
Assim foi na Nicarágua, onde lÃderes sandinistas se locupletaram com imóveis expropriados pela revolução e enriqueceram como por milagre.
Agora, José, é a nossa confiança no PT que se vê abalada. O que há de verdade e de mentira em tudo isso? Por que o partido não abre sua contabilidade na internet? Se houve mesmo "mensalões" e malas de dinheiro, como ficam os pobres militantes e simpatizantes que, em todas as campanhas eleitorais, contribuÃram, com sacrifÃcio, do próprio bolso?
Findas as investigações, o PT precisará vir a público e, de cabeça erguida, demonstrar que tudo não passou de "denuncismo", de "golpismo", de armação (ia escrever "dos inimigos") dos aliados... ou, de cabeça baixa, em atitude humilde, reconhecer que houve, sim, malversação, improbidade, tráfico de influência e corrupção.
O mais grave, José, é o desencanto que toda essa "tsulama" provoca na opinião pública, sobretudo na dos mais jovens.
Quando admitimos que "todos os partidos são farinha do mesmo saco", fazemos o jogo dos corruptos, pois quem tem nojo de polÃtica é governado por quem não tem.
Se todos se enojarem, será o fim da democracia e da esperança de que, no futuro, venha a predominar a polÃtica regida por fortes parâmetros éticos. Portanto o desafio, hoje, não é só promover reformas estruturais no paÃs. É reformar a própria polÃtica, de modo a vedar os buracos pelos quais a corrupção e o nepotismo se infiltram.
Temo que por muitas cabeças passe a idéia de, nas próximas eleições, em 2006, anular o voto ou votar em branco. Seria um desastre. O voto é uma arma pacÃfica. Deve ser usado com acuidade e sabedoria.
Em todo esse processo é preciso destacar os polÃticos que primam pela ética, pela coerência de princÃpios e pela visão de um novo Brasil, sem alarmantes desigualdades sociais. Antonio Callado, em sua última entrevista, a esta Folha, disse que perdera "todas as batalhas".
Também experimentei, José, muitas perdas: a morte do Che, a derrota da guerrilha urbana contra a ditadura militar, a queda do Muro de Berlim e, agora, essa fratura no corpo do partido que ajudei a construir como simpatizante e que se gabava de primar pela ética na polÃtica.
No entanto quantas vitórias! Sobre a França e os EUA no Vietnã; sobre os EUA e a ditadura de Batista em Cuba; a de Martin Luther King contra o racismo americano; a de Nelson Mandela contra o apartheid na �frica do Sul.
No Brasil, a extensa rede de movimentos populares, as CEBs, a CUT, o MST, a CPT, a CMP, a CMS; os movimentos de direitos humanos, mulheres, negros, indÃgenas; as ONGs, as empresas cônscias da responsabilidade social. E, sobretudo, a eleição de Lula à Presidência da República.
Não se pode jogar no lixo da história todo esse patrimônio social e polÃtico. Sem confundir pessoas com instituições, maracutaias com projetos estratégicos, é hora de começar de novo, renovar a esperança e, sobretudo, não permitir que tudo fique como dantes.
Aprendamos com Gandhi a fazer hoje, a partir de nossas práticas pessoais e sociais, o mundo novo que sonhamos legar à s gerações futuras. Deixemos ressoar no coração as palavras de Mario Quintana: "Se as coisas são inatingÃveis... ora!/ Não é motivo para não querê-las.../ Que tristes os caminhos, se não fora/ A mágica presença das estrelas!".
Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 60, frade dominicano, escritor e assessor de movimentos sociais, é autor de "Treze Contos Diabólicos e Um Angélico" (Planeta), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004). Artigo publicado na Folha de S. Paulo.
>>>Frei Betto, como vc não quero perder a esperança que possamos ter um paÃs digno para nossos filhos. Mas tá difÃcil! Com essa mentalidade que os polÃticos brasileiros têm de primeiro o deles depois os outros(povo), com raras exceções. Me dói ver no que se transformou a nossa polÃtica!